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8.08.2010

Ninguém vive sozinho

Por: Daniela Tófoli e Fernanda Carpegiani - Revista Crescer

Fazer as crianças entenderem que precisamos nos relacionar com pessoas diferentes e seguir regras sociais é um desafio, já que vivemos uma era tão individualista e com famílias cada vez menores. Daí a missão dos pais em mostrar, dando o exemplo, qual o verdadeiro valor de uma amizade.

Ubuntu. Bastou uma Copa do Mundo na África do Sul para a gente descobrir uma palavra que parece resumir tudo o que buscamos ensinar aos nossos filhos para que sejam mais felizes e construam um mundo melhor. Tão africana e tão difícil de traduzir, “ubuntu” significa irmandade, compaixão, solidariedade, amizade. Ou, como explicou o bispo sul-africano Desmond Tutu, Nobel da Paz: a essência do ser humano.
“Você não pode viver isoladamente, você não pode ser humano se é só”, resumiu. Nosso desafio é conseguir ensinar às crianças, em uma sociedade cada vez mais individualista, que ninguém vive sozinho. Mais do que isso, como diz a música, precisamos mostrar que “é impossível ser feliz sozinho”. E aqui não estamos falando de uma vida cor-de-rosa, de finais felizes ou de comunidades hippies. Estamos tratando de sobrevivência pura, estamos falando de saúde.
Parece estranho? Você vai ver como não é: “A saúde é um conjunto de bem-estar ‘biopsicossocial’, então não é possível promover saúde sem afeto e sem empatia, que estão intimamente relacionados às interações sociais. Mais do que ensinar que ninguém vive sozinho, é preciso admitir que é impossível ser feliz na solidão”, afirmam a neuropediatra Lara Cristina dos Santos e a neuropsicóloga Maria Dalva Lourenceti, ambas do Ambulatório de Desvios da Aprendizagem da Unesp de Botucatu (SP). Nem nas histórias infantis, para ficarmos em um assunto que as crianças adoram, heróis e mocinhas conseguem vencer suas batalhas sozinhos. Chapeuzinho Vermelho tem a ajuda do lenhador. Batman, do Robin. Branca de Neve, dos Sete Anões...

A questão é como estimular essas interações sociais. Segundo especialistas, pesquisas e livros consultados pela CRESCER, há vários caminhos possíveis, mas existe um que é infalível: o exemplo dos pais. É nossa missão mostrar o valor de uma amizade, de que forma se exercita a solidariedade (e não é só doar roupas que não usamos mais, mas também deixar um carro entrar na frente no meio do congestionamento, por exemplo) e como precisamos, todos os dias, da ajuda uns dos outros. Ninguém consegue viver sem que o motorista de caminhão trabalhe, porque os alimentos não chegariam a nós, sem que os lixeiros recolham os entulhos, porque a sujeira tomaria conta de tudo... Por mais “invisíveis” que algumas relações possam ser, dependemos delas para viver.

Quando uma criança convive com o outro, ela experimenta sentimentos e pensamentos que contribuem para a formação do seu caráter, da sua moral e do seu senso de justiça, explicam as especialistas da Unesp. “Assim, os pais são, ou pelo menos deveriam ser, os primeiros facilitadores do processo de convivência, mediante interações saudáveis, vínculos positivos e modelos adequados. Não adianta falar para a criança uma coisa e agir contrariamente.” Cabe a nós, ainda, ensinar as regras da vida em sociedade e dizer o que é certo e o que é errado. Segundo estudo norte-americano de 2006, que examinou dezenas de pesquisas sobre como as crianças se relacionam com os amigos, vários dos comportamentos infantis são influenciados diretamente pelo modo de agir dos pais. Quando os pais ensinam o que é permitido fazer (e seguem seus ensinamentos, claro!) e estimulam a empatia, os filhos têm maior tendência a levar os sentimentos dos amigos em consideração e conseguem construir vínculos sociais mais sólidos.


Claro que as crianças já nascem com traços de personalidade definidos e uma menina introvertida jamais será a miss simpatia da escola, ainda que seus pais sejam as pessoas mais sociáveis do mundo. O que acontece é que, quando elas veem o exemplo dos pais, sentem-se mais encorajadas a repetir o comportamento. Só é preciso ter cuidado para que não sejam estabelecidos apenas relacionamentos superficiais. Aprofundar o vínculo com um amigo é tão gostoso – e importante – quanto fazer uma nova amizade. Outra preocupação, lembram os especialistas, é com a perda da individualidade. Às vezes uma criança quer tanto ser aceita pelo grupo que se torna uma maria vai com as outras e deixa de ter opinião, gostos e sonhos próprios.

Manter as características de cada integrante é um desafio no grupo musical Pequeno Cidadão. Com oito adultos e dez crianças no palco, a produção se vira para respeitar a personalidade de cada um. Os figurinos, por exemplo, levam em conta o gosto de todas as crianças. Taciana Barros, mãe de Daniel e Luzia, que teve a ideia de formar o grupo com Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra e Antônio Pinto, lembra que é preciso respeitar também os momentos de reclusão de cada um. Não é porque eles estão em uma turma grande que não têm direito à solidão. “É importante saber curtir os momentos individuais e equilibrá-los com os momentos em grupo. Às vezes é preciso estar só pra compor, refletir, pensar... Em outras horas, a parceria é fundamental e acrescenta muito.”

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